domingo, 21 de dezembro de 2008

Criança, guerra e sentimentos


"O que podemos e devemos nós, parte da população civil - pais, mães e educadores -, dizer às crianças que ainda estão sob o impacto da violência gerada pelos atentados nos Estados Unidos? Como lidar com os sentimentos expressos ou submersos dessas crianças? Como podemos contribuir para que o preconceito não se estabeleça na mente das nossas crianças contra raças e nações, contra seres humanos? Como falar de política a um ser ainda sem maturidade emocional para compreender fatos e ações tão cruéis, tão anti-humanos, que destroem a inocência tão prematuramente? Como falar de guerra a uma criança? O que dizer, como dizer, como agir?

As crianças até uma certa idade tendem a ver tudo em preto e branco, ou seja, de forma absoluta. Ou alguém é mau ou bom, raciocínio muito parecido com o que é apresentado nos contos de fada, em que há somente personagens representando uma parte do real. A realidade é composta por aspectos positivos e negativos e a criança fica por vezes confusa em relação a seus sentimentos.

É com essa visão de preto e branco, do que é ser bom e mau, criada às vezes politicamente para concretar a face do inimigo, que os pais precisam ter cuidado, estar atentos. É fundamental fazer as crianças entenderem que ser bom não significa não possuir maus sentimentos, ser bom é ter os sentimentos humanos de raiva, ódio e outros mais e ainda assim não agir em função deles. Todas as pessoas têm sentimentos de amor, raiva, ódio, empatia e muito mais. Ter sentimentos é normal. O que fazemos com os nossos sentimentos é o que conta. Não podemos nos furtar de sentir, mas podemos pensar sobre as ações que tomamos em função dos sentimentos.

Temos de ter em mente que estamos construindo hoje a tolerância ou a intolerância de amanhã. Todos nós adultos, pais e educadores, devemos ter a noção do grande impacto que nossas ações e palavras têm nos corações e mentes das crianças. É na infância que se aprendem os preconceitos, a intolerância, o ódio. Mas é também na infância que podemos aprender amor, tolerância, empatia, respeito, e a apreciar as diferenças culturais, raciais e religiosas como algo que nos enriquece. Comecemos hoje, nas escolas, em casa, nos clubes e nas ruas uma campanha de desarmamento de corações e preconceitos para não sermos obrigados mais tarde a fazer uma outra campanha contra a guerra."

A forma como nos vemos determina em parte o modo como nos comportamos no mundo. Até que nos tornemos conscientes do enorme poder que os pais e os professores têm em conjunto, não poderemos mudar a política. E continuaremos a delegar poderes à sociedade e aos políticos.

As mudanças tecnológicas traduziram de forma sofisticada as nossas necessidades humanas. Mas a expectativa mundial ante a possibilidade de uma guerra nos impõe um tipo de revolução pessoal, particular, global: é necessário que se faça uma revolução dos sentimentos e não somente dos sentidos. Uma verdadeira mudança no sentir e perceber o Outro parece ser a saída mais adequada para esse impasse. É claro que o mundo chegou a um impasse, um novo paradigma se impõe. E desta vez as respostas parecem apontar para as crianças. Elas são o futuro do mundo."


Dulce Silveira

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